sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

ode triunfal (excertos)

(...)

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

(...)

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

(...)

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje...)

(...)

Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Pensamentos


Porque é que me fazes pensar tanto em ti?
O que tens que me fixa deveras?

És pior que um ímane,
Mais viciante que uma droga,
Ultrapassas a tentação do melhor chocolate

Porque nada acontece?
O futuro é uma incógnita e esta resposta também.
Amanhã? nada muda.

Penso, reflicto, delibero e volto a interrogar-me
Sei muito que me atormenta...
(E então? Mais vale isto que nada..)
NÃO! não quero ser apenas um refúgio para o desejo dentro de ti escondido,
Queria mais, mas quem sou eu para pedir isso?

Voltava atrás se pudesse e
Seria mais directa, dir-te-ia sem rodeios que te queria...
Não fui capaz... e o resultado está à vista.
Perdi o autocarro
Poderei apanhá-lo mais tarde,
Poderia aguardá-lo...
... ou não.